Alagoas localiza e recupera nascentes de água no Sertão
- Redação
- 20/08/2012 11:19
- Cidades
No quintal da sertaneja Edineide, no povoado de Padre João, em Mata Grande, Alto Sertão alagoano, os baldes estavam vazios, sem água, enxutos. Até bem pouco tempo, ela podia ser vista no lombo de um jegue, carregando os mesmos baldes, cheios de água retirada de uma fonte que dividia com cachorros que se banhavam e bois que bebiam do escasso líquido.
Hoje o cenário é outro. A água chega direto na torneira de Edineide e de mais 12 famílias que moram próximas à fonte na propriedade de José Cícero, o Groja, a primeira nascente em Mata Grande beneficiada pelo programa de Recuperação de Nascentes do Governo de Alagoas. “E tinha gente que vinha buscar água de carro-de-boi. As caixas estão cheias na fonte e nas casas, a água está lá, e é de todos nós”, afirma Groja.
Do outro lado do município, na serra do Ouricuri, o pequeno Matheus ri e arregala os olhos ao ver a água espirrando com força do cano que sai da caixa. “Agora chega, que estamos na caatinga e aqui não se joga água fora”, diz Wagner Barbosa, pai de Matheus e dono das terras onde está o Pingador, fonte que, segundo se conta no povoado, salvou muita gente na última seca, mesmo com sua água salobra, imprópria para o consumo humano.
O Pingador fica a um quilômetro da casa de Wagner, e só se chega a ele caminhando serra acima. Com a nascente recuperada, os canos subterrâneos levam a água até a caixa instalada no quintal de Wagner, e dali abastece o cocho dos animais de pelo menos seis famílias no entorno.
Criado pelo agricultor paranaense Pedro Diesel, o Programa de Recuperação de Nascentes chegou a Alagoas pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (Semarh), em 2011, no sentido de recuperar 400 nascentes no Estado, sendo 45 delas no Semiárido – 20 em Mata Grande e 25 em Água Branca.
Para o secretário do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos, Napoleão Casado, o objetivo do projeto é fornecer água de qualidade e recuperar e preservar os rios. “A partir do momento em que se recupera a nascente, revitaliza-se o rio, além, é claro, de melhorar a qualidade de vida da população sertaneja”, informa.
Casado lamenta que a situação no Sertão dificulte a execução do projeto. Segundo ele, devido à condição climática, muitas nascentes não conseguem força suficiente para aflorar e permanecem subterrâneas, o que impossibilita sua recuperação.
Água Branca e Mata Grande, fincadas entre serras, possuem um diferencial geográfico que outras cidades do Sertão não têm. “Essas nascentes aqui são uma exceção, um milagre. E ainda assim são muito espaçadas, e a maioria delas é de difícil acesso”, explica Iran Barbosa, secretário Municipal de Agricultura de Mata Grande.
A dificuldade em se conseguir mão de obra, que envolve quebrar pedras, cavar e carregar material, levou a Semarh a buscar parcerias com outras entidades para a realização do projeto em outros municípios.
Ainda em fase de negociação, um acordo a ser firmado com a Associação Pró-Gestão de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Coruripe (Agerh) vai garantir aos municípios da bacia hidrográfica a mão de obra para localizar e recuperar as nascentes na bacia, paralelamente à recuperação no Semiárido.
Em Água Branca e Mata Grande, a parceria com as prefeituras também é fundamental para o projeto. O investimento da Semarh é de R$ 595 mil, destinado à compra de material, deslocamento e capacitação dos técnicos, mas não prevê a contratação de mão de obra. A existência de poucos técnicos na equipe torna o mapeamento inicial das nascentes mais trabalhoso.
“A prefeitura disponibilizou a relação das nascentes e o pessoal para reconhecimento de campo, e a Semarh veio com o material e os técnicos”, afirma o secretário municipal de Água Branca, João Abílio.
Abílio e Iran Barbosa são unânimes em reconhecer a efetividade do projeto. “Eu considero um trabalho brilhante, porque é para sempre. A própria comunidade faz a manutenção, é um bem que serve para todo o mundo, e é barato de fazer”, enfatiza Barbosa.
Os passos para a recuperação de uma nascente não são muitos: é preciso localizá-la, realizar a limpeza manual do local e a abertura de uma vala para o escoamento da água, cobrir o fundo com uma mistura de areia do próprio local e cimento, instalar os canos de saída, desinfecção e escoamento, e então cobrir a área com lona, pedras, terra e vegetação local.
A água é então levada para a caixa d’água, localizada normalmente um pouco abaixo da nascente, para que o empuxo seja fortalecido pela gravidade. O local é então cercado, para evitar o acesso de animais e preservar a mata ciliar, deixando apenas o cano que sai da caixa d’água acessível para a população.
A limpeza da nascente é feita com água sanitária, e o hipoclorito de sódio é adicionado nas caixas para tornar a água potável. Groja e Naldo, que têm as nascentes recuperadas há mais tempo, já fizeram a limpeza e afirmam que a captação das fontes aumentou. “Deixa chegar o verão pra ver: todo mundo vai querer fazer isso nas fontes”, diz Naldo.
Meteorologia prevê verão intenso
Infelizmente, as previsões de Naldo não estão erradas. De acordo com Vinícius Pinho, meteorologista da Sala de Alerta da Semarh, a estiagem que assolou o Semiárido nordestino em 2012 tende a se agravar no próximo ano.
Pinho explica que o Brasil vive uma fase climática neutra, mas que, devido ao aquecimento das águas superficiais do Pacífico Equatorial, as tendências apontam para o retorno do fenômeno climático denominado El Niño, que ocasiona chuvas torrenciais na região Sul do Brasil e a consequente diminuição de chuva no Norte e Nordeste do País.
O Sertão alagoano já sentiu a chegada do El Niño este ano, com chuvas entre 30% e 40% abaixo da média climatológica dos últimos 30 anos.
O verde das gramíneas que cobrem o Semiárido chega a enganar o observador, que não vê sinais da seca. Há um nome para isso: seca verde. Ela ocorre quando as chuvas são suficientes para fazer brotar algumas plantas, mas não o suficiente para suprir o déficit de água: os barreiros não acumularam água suficiente, e os níveis dos rios estão abaixo do normal.
O meteorologista aponta outro fator que faz com que a seca verde seja observada em Alagoas. “O Estado é pequeno, então o Semiárido é uma faixa muito estreita que acaba ficando em uma zona de transição, pois ainda sofre influência do oceano.”
Vinícius Pinho afirma ainda que a Sala de Alerta da Semarh, que trabalha conjuntamente com a Defesa Civil do Estado e a Agência Nacional de Águas (ANA), é responsável por monitorar todos os eventos críticos: enchentes e seca. E ressalta: “Mesmo que a tendência seja de pouca chuva, não está descartada a ocorrência de algum evento extremo de precipitação”.
Com as previsões de estiagem em mãos, a Semarh vem trabalhando com o Governo de Alagoas em projetos que visam à convivência com os efeitos da estiagem. “É uma preocupação primordial do governador Teotonio Vilela Filho que as comunidades rurais estejam abastecidas de água de qualidade”, enfatiza Napoleão Casado. Ele ressalta que, além da recuperação de nascentes, a Semarh também trabalha com o Programa Água Doce, que irá criar e recuperar mais de 100 sistemas dessalinizadores na região do Semiárido de Alagoas.
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