Parque Eólico gera polêmica no Sertão de Alagoas

  • Ricardo Rodrigues, Tribuna Independente
  • 19/06/2024 14:11
  • Cidades

O Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA) manteve a audiência pública do ‘Complexo Eólico Mata Grande’, marcada para hoje (19), às 9 horas, no ginásio de esportes de Mata Grande, no Sertão alagoano. O evento terá transmissão ao vivo, por meio do canal do IMA na plataforma Youtube, na internet. De acordo com a assessoria de comunicação do IMA, o órgão não registrou, até ontem, nenhum pedido de adiamento da data. Por isso o evento está mantido, com a participação de técnicos do Instituto.

No entanto, o IMA ainda não concedeu a autorização para implantação do Complexo Eólico. O que está em tramitação é o processo de licenciamento e há uma licença prévia, mas ainda não há autorização. A audiência pública faz parte desse processo de licenciamento, para que a população possa ominar sobre o projeto, com críticas, elogios e sugestões. O evento terá a participação do representante da empresa responsável pelo projeto e da prefeitura de Mata Grande.

Apesar da data de audiência ter sido mantida pelo IMA, ambientalistas de Alagoas queriam o adiamento do evento, alegando que não houve uma boa divulgação e quando a data foi definida teria ficado muito em cima para mobilizar a comunidade de Mata Grande. Por isso, eles divulgaram nas mídias sociais um abaixo assinado digital, pedindo o apoio dos internautas para o adiamento do evento. Como não conseguiram, devem participar da audiência até para sugerir uma nova audiência, no mês de julho.

AMEAÇAS

Os ambientalistas alegam que primeira usina eólica de Alagoas precisa ser melhor debatida com a população sertaneja. Além disso, alegam que o Parque Eólico de Mata Grande estaria ameaçado por falha em licenciamento. O alerta foi divulgado ontem, nas redes sociais, junto com abaixo assinado pedido o adiamento da audiência.

De acordo com os ambientalistas, a empresa responsável pelo empreendimento realizou consulta prévia apenas aos povos e às comunidades tradicionais da região, e não o governo, como define a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), adotada no Brasil há mais de 20 anos.

“A consulta prévia é obrigatória e deve ocorrer antes de iniciado o processo de licenciamento”, garantiram os ambientalistas. Para João Paulo Diogo, coordenador do Coletivo de Assessoria Cirandas, como a aplicação desse artigo da Convenção 169 da OIT diz ser uma responsabilidade do Estado, a iniciativa de uma empresa, por mais bem-intencionada que seja, não pode ser considerada como uma realização válida da Consulta Prévia, Livre e Informada.

João Paulo lembra que o Ministério Público Federal também considera uma obrigação do Estado brasileiro “consultar, de forma adequada e respeitosa, os povos indígenas e comunidades tradicionais sobre decisões administrativas e legislativas que possam afetar suas vidas e seus direitos”.

A reunião com representantes dos indígenas e remanescentes de quilombos ocorreu em janeiro do ano passado em Poço Dantas (no município de Inajá, em Pernambuco), uma das três comunidades quilombolas existentes na região. Não contou sequer com a presença de um representante do governo de Alagoas, como descreve o Relatório de Impacto Ambiental (Rima) do empreendimento.

“A equipe da Temis (empresa baiana responsável pelo Rima) e o Sr. Diego Ramos, representante da Casa dos Ventos, falaram sobre o Complexo Eólico Mata Grande, seguindo os princípios da Convenção 169 da OIT para uma consulta prévia, livre, informada e de boa fé (sic). A comunidade fez perguntas sobre o projeto”, consta no Rima.

Há ainda na área do complexo eólico ao menos dois povos indígenas - kambiwá e tuxá - ambos em Pernambuco. Mata Grande (AL) e Inajá (PE) estão na divisa dos dois Estados, área onde está prevista a implantação do Complexo Eólico de Mata Grande, com 40 turbinas eólicas distribuídas em quatro parques, cada um com 10 aerogeradores de 115 metros de altura (o equivalente a um prédio de 38 andares).

Com o mesmo status de uma lei, a Convenção Nº 169 da OIT foi promulgada em 1989 e ratificada pelo Brasil em 2002. Assegura aos povos e comunidades tradicionais o direito de serem consultados previamente sobre empreendimentos que possam alterar seu modo de vida ou o território. Assim, essas populações devem ser ouvidas mesmo antes de iniciado o processo de implantação de empreendimentos e têm, de acordo com a convenção, a prerrogativa de não aceitarem a instalação de turbinas eólicas em suas terras.

Ambientalistas exigem mais transparência

Nas redes sociais, os ambientalistas de Alagoas e moradores da área cobram maior transparência os órgãos públicos no processo de implantação do complexo eólico de Mata Grande. “É importante que esse empreendimento seja implantado na região, mas é preciso estabelecer um diálogo aberto com a comunidade, para mostrar os prós e os contras”, opinou o ambientalista Haroldo Almeida.

Integrante da Associação de Mulheres Rurais do Semiárido Alagoano e do Território Alto Sertão de Alagoas, Maria Ângela Nascimento dos Santos diz que as pessoas da região não têm ideia do que acontecerá depois que as torres eólicas forem instaladas. “A empresa fala em arrendar as terras, mas não detalha os impactos na saúde das pessoas, nem no meio ambiente, que são coisas comprovadas em outros Estados do Nordeste em que a energia eólica já entrou.”

Único dos nove Estados do Nordeste que ainda não produz eletricidade a partir da força dos ventos, Alagoas iniciou em abril de 2022 uma negociação junto à empresa Casa dos Ventos para a implantação do Complexo Eólico de Mata Grande, com capacidade total de 264 megawatts de potência instalada.