Com medo da seca, agricultores fazem seguro da plantação de feijão e milho

  • Diego Barros
  • 31/03/2015 21:56
  • Cidades

“Quando olhei a terra ardendo / Qual a fogueira de São João / Eu perguntei a Deus do céu, ai / Por que tamanha judiação.” Os versos da canção Asa Branca, criados por Luís Gonzaga há 68 anos, descrevem bem como era a situação dos agricultores naquela época, quando eles dependiam apenas dos fatores climáticos para iniciar ou obter êxito em uma plantação. Quando as coisas não iam bem, restava buscar na fé a esperança para recomeçar o plantio no ano seguinte e arcar com os prejuízos da lavoura não colhida.

De lá para cá, muita coisa mudou no campo e, mesmo quando as previsões indicam que as chuvas serão escassas no Sertão, os agricultores se arriscam a fazer o plantio. Antes disso, porém, muitos deles investem em um seguro, o chamado Garantia Safra, que repassa uma bonificação em dinheiro em caso de perda da plantação por seca ou por excesso de chuvas. O valor recebido não resolve a situação da perda do plantio e da produção de alimento, mas garante aos pequenos agricultores um recurso que os ajuda nas despesas da casa e na compra de outros produtos.

Segundo dados da Secretaria de Estado da Agricultura, Pesca e Aquicultura (Seapa), que coordena o Garantia Safra em Alagoas, de 2011 a 2014, o seguro repassou para os agricultores alagoanos R$ 61,4 milhões. Eles mantêm seus cultivos nas regiões Agreste, Médio e Alto Sertão e as principais culturas cobertas são feijão e milho. Atualmente, o seguro paga R$ 850 a cada agricultor que aderiu e que teve perdas comprovadas de pelo menos 50% da plantação. O valor é dividido em cinco parcelas de R$ 170.

Com a seca, agricultor colhe apenas metade do que esperava

Um dos beneficiados pelo seguro é o agricultor Enaldo Alves Pereira, de 59 anos, morador da comunidade Bananeira, localizada na zona rural de São José da Tapera. “Se não fosse esse seguro, a gente tinha que se esforçar mais, que se virar de outra forma”, disse. Segundo ele, sua área plantada com feijão e milho na safra de 2014 foi de quatro tarefas, que equivalem a pouco mais de um hectare. Nesse espaço, ele plantou 37 quilos de sementes de feijão e seis quilos de milho.

Seu Enaldo esperava colher, “se o tempo tivesse ajudado”, como ele mesmo frisou, 12 sacos de feijão e milho. Mas, devido à falta de chuvas, colheu apenas a metade: quatro sacos de feijão e dois de milho. Cada saco possui 60 quilos, que ele distribuiu para armazenar em garrafas pet, devido à maior proteção, pois as garrafas impedem a entrada de pragas e evitam o uso de produtos químicos para conservação dos grãos.

Se tivesse colhido os 12 sacos dos produtos, seu Enaldo e a mulher, dona Lindinalva Alves da Silva, de 65 anos, teriam mais tranquilidade para passar o ano com feijão e milho estocados e ainda poderiam vender uma parte da produção para complementar a renda. Como isso não aconteceu, o feijão que está estocado nas garrafas vai servir apenas para a alimentação dele, da mulher e dos filhos que moram próximos. Uma parte do feijão e do milho eles guardam para fazer o plantio na safra seguinte, que deve começar entre abril e maio.

“Como a gente tem o seguro do Garantia Safra, eu recebo esse dinheiro e compro uma carne, faço a feira das coisas que eu não tiver em casa, e assim a gente vai passando”, relatou o agricultor, que também usa sua propriedade, de cerca de 20 tarefas, para criar algumas cabeças de gado, produzir mel, frutas e hortaliças. Já as galinhas soltas no quintal da casa ele não inclui na conta. “Isso aí não é comigo, não, quem cuida é a mulher”, observou, bem humorado, referindo-se à esposa.

Antes do plantio, agricultores fazem a renovação do seguro

Como o próximo plantio de feijão e milho só deve começar entre abril e maio, seu Enaldo e outros agricultores já estão inscritos no Garantia Safra novamente. “A inscrição deve ser anual, antes do início de cada período de plantio. Aqui em São José da Tapera, temos 2.938 agricultores inscritos. A procura sempre é grande nos meses em que as inscrições estão abertas e nós fazemos a orientação de todos eles”, narrou o secretário de Agricultura de São José da Tapera, Francisco Pereira.

As inscrições para o Garantia Safra começaram em julho de 2014 e foram concluídas no dia 6 de março de 2015. Ao todo, Alagoas dispunha de 35 mil cotas para realizar inscrições. Para garantir a inscrição, o agricultor precisa ter a DAP (Declaração de Aptidão ao Pronaf).

Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), cada agricultor que se inscreveu e aderiu pagou uma taxa de R$ 14,90. A prefeitura deve pagar R$ 44,63 por agricultor, e o Estado paga R$ 89,25. Já a contrapartida da União é de R$ 97,50 por cada um. Todo esse recurso vai para um Fundo Nacional, pois ele atende a todos os Estados da região Nordeste.

Além de seu Enaldo, quem também está prevenido contra as intempéries climáticas é o agricultor Manoel Soares da Silva, morador do povoado Piedade, zona rural de São José da Tapera. Ele está recebendo as parcelas referentes às perdas da plantação que teve em 2014 e já se inscreveu para garantir o seguro de sua plantação de 2015.

Ano passado, ele plantou feijão e milho numa área de 2,5 tarefas. Esperava colher 10 sacos de feijão e oito de milho. Devido à seca, colheu dois sacos de feijão e do milho aproveitou apenas as palhas, que usou para fazer ração e servir aos animais. “Esse seguro ajuda muito. Antes de ter ele, a gente se ajeitava de outra maneira”, lembrou.

Assim como Manoel Soares da Silva e Enaldo Alves Pereira, 23 mil agricultores alagoanos de 23 municípios participaram do programa em 2014, segundo dados da Secretaria de Estado da Agricultura, Pesca e Aquicultura (Seapa). Ao todo, o valor que eles estão recebendo chega a quase R$ 20 milhões. Esse dinheiro ajuda a movimentar o comércio dos municípios, incluindo as feiras de rua e os mercadinhos, onde eles costumam comprar seus alimentos.

Economista diz que seguro representa alívio para agricultores

Para o economista Cícero Péricles de Carvalho, as economias das localidades sertanejas são muito influenciadas pelo desempenho de sua agricultura e pecuária, mesmo nos centros urbanos, onde vivem hoje 70% da população dessa região.

“É a agropecuária desses municípios que mantém a renda de parte considerável das famílias, na medida em que são economias sem a presença de indústrias, ainda com um setor comercial e de serviços pouco desenvolvido, que têm nas transferências federais – principalmente a previdência social e o programa Bolsa Família – sua principal fonte de recursos financeiros. A atividade no campo ainda representa parte significativa da renda geral e movimenta o setor comercial existente na área urbana”, detalhou o economista.

Para ele, o Garantia Safra é um avanço, mas ainda representa muito pouco em termos financeiros. “Levando em conta que mais de 100 mil famílias de agricultores alagoanos plantam feijão e milho e que, nestes últimos cinco anos, o déficit hídrico e as estiagens foram prolongadas, esses recursos representam um alívio, é verdade, mas cobrem uma parcela pequena do que foi perdido na seca”, explicou Cícero Péricles.

Sobre o impacto da perda de feijão e milho, Péricles avalia que ele não é tão grande, tendo em vista que a atividade agropecuária representa menos de 10% da economia do estado. Por outro lado, como ele mesmo frisou, a carência de feijão e milho, provocada pela seca, é compensada pelas importações de outros centros regionais nordestinos que produzem mais e com mais eficiência.

Inadimplência de municípios prejudica agricultores

Em Alagoas, 38 municípios podem participar do programa, pois estão na área de atuação do Garantia Safra, que é a região semiárida. São eles: Água Branca, Arapiraca, Batalha, Belo Monte, Cacimbinhas, Canapi, Carneiros, Craíbas, Delmiro Gouveia, Dois Riachos, Estrela de Alagoas, Girau do Ponciano, Igaci, Inhapi, Jacaré dos Homens, Jaramataia, Major Isidoro, Maravilha, Mata Grande, Minador do Negrão, Monteirópolis, Olho d’Água das Flores, Olho d’Água do Casado, Olivença, Ouro Branco, Palestina, Palmeira dos Índios, Pão de Açúcar, Pariconha, Piranhas, Poço das Trincheiras, Santana do Ipanema, São José da Tapera, Senador Rui Palmeira, Traipu, Lagoa da Canoa, Coité do Noia e Quebrangulo.

No entanto, segundo informações disponíveis no portal eletrônico do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), alguns municípios alagoanos estão inadimplentes devido à falta de pagamento da contrapartida das prefeituras: Cacimbinhas e Jacaré dos Homens estão com débito há mais tempo. Eles estão inadimplentes desde o ano agrícola 2012-2013 e, devido a isso, os agricultores que se inscreveram, pagaram a taxa de adesão e tiveram perdas provocadas pela seca não tiveram direito a receber o seguro. Em Cacimbinhas, quase 500 agricultores foram prejudicados, enquanto em Jacaré dos Homens foram 400. Devido a essa inadimplência, os agricultores dessas localidades não puderam participar do programa no ano agrícola 2013-2014 nem no ano agrícola atual (2014-2015).

O Relatório Financeiro de Controle da Inadimplência Municipal disponibilizado no portal do MDA mostra também que outros cinco municípios ainda não honraram a contrapartida da prefeitura referente ao ano agrícola 2013-2014, o que inviabilizou o pagamento do seguro aos agricultores dessas localidades, bem como a participação deles no ano agrícola 2014-2015: Canapi, Estrela de Alagoas, Mata Grande, Monteirópolis e Traipu.

A situação persiste mesmo com a continuidade da maior seca dos últimos 50 anos que atinge o Estado de Alagoas, iniciada em 2011 e que, de lá para cá, foi motivo de diversas reuniões entre prefeitos, governo do Estado e governo federal tendo como pauta a liberação de recursos, carros-pipa e ajuda para as prefeituras.

Uma das medidas consequentes da escassez de chuva é a renovação, nos últimos anos, dos decretos de situação de emergência para mais de 30 municípios do semiárido, entre eles Jacaré dos Homens, Cacimbinhas, Canapi, Estrela de Alagoas, Mata Grande, Monteirópolis e Traipu. Nesses, particularmente, os agricultores ainda lembram com mais emoção dos versos da música Asa Branca, de Luiz Gonzaga, que até hoje descrevem a dura realidade do sertanejo.