Portal Atualidades do Direito lança campanha pela Não Violência contra a Mulher

  • Redação
  • 22/11/2012 15:04
  • É Manchete

Portal AD lança campanha “Não Violência contra a Mulher”, em comemoração ao Dia Internacional da Não Violência contra a Mulher, celebrado no dia 25 de novembro, desde o ano de 1991. A data foi escolhida para lembrar as irmãs Mirabal (Pátria, Minerva e Maria Teresa), assassinadas pela ditadura de Leônidas Trujillo na República Dominicana, e reconhecida pela ONU em 1999.

Atualmente, 125 países possuem leis específicas de proteção à mulher, sendo que a legislação brasileira (Lei Maria da Penha) é considerada uma das três mais avançadas do mundo.

Apesar do avanço legislativo, Brasil é o 7º país, em uma lista de 84, com o maior número de homicídios de mulheres (Mapa da Violência 2012). Em 2010 foram dez mulheres mortas por dia, sendo sete delas pelas mãos daqueles com quem elas detinham uma relação de afeto (marido, ex-marido, noivo, ex-noivo, namorado, ex-namorado etc.).

Durante a semana do dia 25 a 30 de novembro serão realizados sorteios de camisetas da campanha, bem como publicações de artigos e vídeos sobre o tema.

Mais sobre o assunto:


Em briga de marido e mulher não se mete a colher?

Alice Bianchini*

Pesquisa realizada pelo IPEA no final de 2010 mostra que a grande maioria (91% da população brasileira) entende que crimes de violência doméstica contra a mulher devem ser investigados independentemente da vontade da vítima (http://agencia.ipea.gov.br/images/stories/PDFs/sips_genero2010.pdf). Homens e mulheres estão bastante concordes, com percentual equivalente (90,6% e 91,4%). Também não houve muita variação quando consideradas as diferentes regiões e escolaridade dos participantes da amostra.

Ainda, conforme a pesquisa, somente 4,3% dos entrevistados responderam que a investigação não deve prosseguir por ser um problema particular do casal; 3,5% afirmaram que a vontade da mulher que não faz a queixa deve ser respeitada. Apenas 0,2% consideraram que a investigação não deveria prosseguir por entenderem que o crime não é tão grave. Ou seja, para a sociedade, em briga de marido e mulher há, sim, que se meter a colher.

Esse mesmo consenso, entretanto, não é vislumbrado quando o tema é analisado sob a ótica da doutrina e da jurisprudência. Desde que entrou em vigor a Lei 11.340/06, a discussão acerca da natureza jurídica da ação penal (se pública ou se condicionada à representação) ainda não se sedimentou.

O crime de lesão corporal era de ação penal pública incondicionada até o ano de 1995, ocasião em que a Lei 9.099, após tratar de uma gama de dispositivos acerca dos juizados especiais civis e criminais, normatiza, em seus últimos artigos, dois temas que refogem ao âmbito dos juizados, mas que, por opção legislativa, foram nela incluídos: a suspensão condicional do processo (art. 91) e a exigência de representação para a lesão corporal leve e para a culposa (art. 88).

A Lei Maria da Penha, em seu art. 41, afasta a incidência da Lei antes mencionada (9.099/95) – dispositivo que gerou polêmica doutrinária e jurisprudencial hoje pacificada pela decisão do Supremo Tribunal Federal na ADC nº 19, na qual se declarou a constitucionalidade dos artigos 1º, 33 e 41 da Lei Maria da Penha – que não se aplicaria o seu art. 88 aos casos em que a Lei disciplina. Por consequência lógica, a ação penal dos crimes de lesão corporal leve voltaria a ser pública incondicionada, deixando, portanto, de exigir a representação da vítima.

Esta interpretação somente não é a única admissível por conta da existência, também na Lei Maria da Penha, de normativa que faz referência à representação (art.16) , o que autorizou que um outro setor da doutrina e da jurisprudência elaborasse entendimento no sentido de que a representação permanece sendo exigida, pois a própria Lei a ela faz menção.Não obstante a importância de se discutir o tema com base na legislação que se encontra em vigor, na verdade, a sua extensão e relevância exigem que se adentrem outros âmbitos.

A tônica deve ser colocada na dimensão do valor que a Lei Maria da Penha pretende proteger: a violência contra a mulher atinge bens de dimensão pública ou eles se circunscrevem à esfera privada e meramente familiar? Uma análise da Lei e dos instrumentos internacionais que lhe dão guarida permite concluir que eles repercutem no domínio ético, estruturado por um valor democrático irrenunciável: igualdade de gênero, portanto, de dimensão pública.

Os conceitos de autoridade e de poder masculinos que durante anos representaram a base estruturante da família, suportados pela própria legitimação social dessa hierarquia, hoje cedem lugar para outras composições, com relações heterarquizadas e democráticas, em que cada um dos seus membros são havidos como sujeitos autônomos de direito.

Tal transição inicia-se nos anos 60/70 e ainda se encontra em curso, pois o peso da tradição instrui e pereniza muitas culturas, fazendo obstáculo a transformações.

Não obstante a melhoria da situação, vários estudos apontam a família como o local em que mais ocorre violência (PAIS, Elza. Homicídio conjugal em Portugal, 2010). Quando se trata de analisar a violência geradora de homicídio, os dados são mais expressivos. O conjugicídio ainda é responsável pela elevada taxa de homicídios femininos (cerca de 70% das mortes de mulheres são provocadas por aqueles que detêm um laço afetivo com a vítima).

Somente quando o problema deixar, definitivamente, de ser visto como pessoal, alcançando status de problema social, é que se poderá obter a visibilidade necessária ao fenômeno da violência de gênero. Esta nova percepção merece e tem urgência de repercutir na família (entre homens e mulheres), na sociedade, na polícia e nos três poderes do Estado. O que hoje ainda é um padrão normal de relacionamento entre os sexos precisa ser percebido como um obstáculo à completa igualdade.

Nesta nova perspectiva, não mais se justifica que os problemas de família sejam vistos como de cunho privado. Nem mesmo subsistiria qualquer argumentação favorável à exigência de representação. Os interesses particulares tantas vezes citados (preservação da família e/ou de sua harmonia, não exposição da intimidade doméstica, dificuldade de reconciliação do casal, caso haja o processo-crime – STJ, HC 10.680-5, etc.) cedem a favor de uma preocupação de maior magnitude: igualdade de gênero — bem jurídico constitucional e internacionalmente reconhecido e, agora, também protegido pela Lei Maria da Penha.

Insistir no entendimento de que a violência doméstica é “assunto de família” e que a mulher agredida é quem deve assumir se deverá ou não expor seus membros e contribuir para a sua desestabilização é descarregar nela um fardo que já vem sendo suportado há séculos; é praticar mais um ato de violência. Muitos esquecem que a condição de vítima é, também, uma condição de não ter liberdade de decidir, nem mesmo em causa própria.

* Doutora em Direito Penal (PUC-SP). Mestre em Direito (UFSC). Editora do Portal www.atualidadesdodireito.com.br. Coordenadora do Curso de Especialização em Ciências penais da Anhanguera-Uniderp/LFG. Presidenta do IPAN – Instituto Panamericano de Política Criminal