Cerco de Moraes inflama bloco leal a Bolsonaro no Congresso

  • Josias de Souza, Uol
  • 25/01/2024 20:13
  • Minuto Política
Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados
Documento apreendido pela PF revela que, sob a gestão de Ramagem, Abin tentou associar Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes ao PCC
Documento apreendido pela PF revela que, sob a gestão de Ramagem, Abin tentou associar Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes ao PCC

A batida da Polícia Federal em endereços do deputado Alexandre Ramagem, nesta quinta-feira, eletrificou a banda bolsonarista no Congresso. Correligionários de Bolsonaro na Câmara e no Senado haviam se reunido na véspera para traçar uma resposta legislativa à operação de busca e apreensão deflagrada na semana passada contra outro deputado, o líder da oposição Carlos Jordy. A investida contra Ramagem converteu a eletrificação do ambiente político em curto-circuito.

Os parlamentares enxergaram nos mandados judiciais expedidos pelo Supremo Tribunal Federal um cerco do ministro Alexandre de Moraes ao braço parlamentar do bolsonarismo. Tacharam os despachos de Moraes de "perseguição política". Avaliaram que o ministro se equipa para alcançar dois propósitos não declarados.

Num, Moraes utilizaria os deputados como degrau para alcançar a jugular do próprio Bolsonaro, preparando a cena para pendurar no pescoço do mito sentenças criminais nos casos do 8 de janeiro e no inquérito sobre a montagem de um aparato de espionagem clandestina de adversários na Abin.

Noutro movimento, Moraes dinamitaria o plano do PL de usar Bolsonaro como cabo eleitoral de luxo nas eleições municipais de 2014. Jordy é pré-candidato à prefeitura de Niterói. Ramagem cogita disputar a poltrona de prefeito do Rio de Janeiro. As teorias conspiratórias do bolsonarismo, por mequetrefes, não ficam em pé.

A alegada utilização do poder supremo para abater a candidatura de Jordy em Niterói seria equiparável à utilização de um míssil para eliminar uma mosca. Quanto a Ramagem, o inquérito sobre a bisbilhotagem ilegal da Abin na época em que o deputado chefiava a agência de inteligência (sic) foi aberto em outubro do ano passado. O lançamento da pré-candidatura do investigado como adversário do prefeito carioca Eduardo Paes, favorito à reeleição, ocorreu num instante em que o ex-chefe da Abin já perambulava pela conjuntura como um fio desencapado.

De resto, são abundantes as evidências de que Moraes agiu porque o aparato bolsonarista forneceu material. As batidas policiais foram endossadas por pareceres de Paulo Gonet, um personagem acomodado na poltrona de procurador-geral da República com o tônico providencial dos votos da banda bolsonarista do Senado.

Ao contrário do que alega a milícia parlamentar de Bolsonaro, Moraes e Gonet agiram para atenuar o derretimento político de Ramagem. A Polícia Federal havia solicitado o afastamento do ex-diretor-geral da Abin do exercício do mandato de deputado. Instado por Moraes a se manifestar, Gonet puxou o freio de mão.

Em ofício enviado ao Supremo, Gonet anotou: "Se os fatos atribuídos ao deputado Ramagem são de seriedade evidente, não se avultam, neste momento, acontecimentos graves e contemporâneos que ponham em risco as investigações respectivas, justificadores da providência de afastamento das funções parlamentares. Isso leva o Ministério Público a opinar em sentido contrário à adoção da providência aventada."

Moraes deu ouvidos ao procurador-geral. Sem desmerecer a posição da Polícia Federal, condicionou a suspensão do mandato de Ramagem ao comportamento do deputado durante os desdobramentos do inquérito.

"Em que pese a gravidade das condutas do investigado, Alexandre Ramagem, bem analisada pela Polícia Federal, nesse momento da investigação não se vislumbra a atual necessidade e adequação de afastamento de suas funções", escreveu Moraes. "Essa hipótese (de afastamento) poderá ser reanalisada se o investigado voltar a utilizar suas funções para interferir na produção probatória ou no curso das investigações".

Os indícios de que Ramagem estruturou um esquema de espionagem ilegal na Abin de Bolsonaro saltam das páginas do processo como pulgas do dorso de um vira-lata. Segundo os relatórios da PF, a bisbilhotagem feita por meio do rastreamento do sinal de celular incluiu o próprio Moraes e o ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo. O objetivo era vincular os magistrados à facção criminosa do PCC.

Bisbilhotaram-se também os ex-deputados Rodrigo Maia a Joice Hasselman, desafetos notórios de Bolsonaro. Utilizou-se um drone para vigiar a residência do então governador petista do Ceará, Camilo Santana, hoje ministro da Educação de Lula. Segundo a PF, a Abin paralela foi acionada também para esboçar um perfil da promotora do Ministério Público do Rio de Janeiro responsável pelo caso Marielle Franco e a investigação do escândalo da "rachadinha" do senador Flávio Bolsonaro.

Alheio às evidências, o braço parlamentar de Bolsonaro pressiona Rodrigo Pacheco e Arthur Lira, presidentes do Senado e da Câmara, a reagirem contra Alexandre de Moraes. Alegam que o ministro desrespeitou o Congresso ao enviar a PF aos gabinetes de Jordy e Ramagem na Câmara.

Até a noite de quarta-feira, a pressão ocorria nos bastidores. Nesta quinta, o movimento ganhou os refletores. Presidente do PL, Valdemar Costa Neto chegou a chamar Pacheco de "frouxo". O chefe do Senado não se deu por achado. Com a velocidade de um raio, Pacheco respondeu a Valdemar por escrito. Realçou na resposta os propósitos monetários do dono do PL.

Pacheco bateu abaixo da linha da cintura: "Difícil manter algum tipo de diálogo com quem faz da política um exercício único para ampliar e obter ganhos com o fundo eleitoral e não é capaz de organizar minimamente a oposição para aprovar sequer a limitação de decisões monocráticas do STF. E ainda defende publicamente impeachment de ministro do Supremo para iludir seus adeptos, mas, nos bastidores, passa pano quando trata do tema."

O bolsonarismo decidiu agir por conta própria. Planeja desencavar projetos anti-Supremo que tramitam no Congresso. Sem a adesão de Arthur Lira, que engavetou a emenda constitucional aprovada no Senado para inibir as decisões solitárias de ministros do Supremo, a investida do bolsonarismo tem fôlego curto.

Ainda assim, os aliados de Bolsonaro não abre mão do barulho. Cogitam potencializar o bumbo com uma obstrução legislativa às propostas de interesse do governo Lula. O ambiente no Congresso, que já era ruim, tornou-se radioativo.