Mensalão e a teoria dos 6 pês: pobres, pardos, pretos, prostitutas, policiais e políticos (e seus comparsas orbitais)

  • Redação
  • 06/12/2012 09:11
  • Minuto Política

Caso venha a ser confirmada a fase primeira da dosimetria da pena (digo primeira porque muita coisa ainda vai acontecer nesse terreno: cômputo de delações premiadas, crime continuado ou concurso formal de crimes etc.), teremos o seguinte: dos 40 réus, 37 foram julgados e 25 condenados. A quase totalidade em regime fechado ou semiaberto.

A Justiça criminal brasileira sempre funcionou seletivamente. E para a cadeia, tradicionalmente, sempre mandou (e manda) gente dos 5 primeiros pês: pobres, pardos, pretos, prostitutas e policiais. Cruzando os dados do IBGE (Censo de 2010) com os do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias de 2011, Alberto Carlos Almeida (Valor Econômico de 30, 01 e 02 de dezembro) evidenciou o seguinte: a população branca no Brasil é de 48%; a população branca na prisão é de 35%; pessoas de cor preta são 8%; nos presídios os pretos são 16%. Pretos e brancos são criminosos, mas para a cadeia preferencialmente vão os pretos. Assim sempre funcionou a Justiça criminal brasileira.

Eliane Castanhêde (Folha de S. Paulo de 23.10.12, p. A2) escreveu: “Mais que condenar réus tão emblemáticos, o STF mandou um recado ao país e aos poderosos (...) os criminosos de colarinho branco que se associarem para desvios e assaltos aos cofres públicos estarão juridicamente nivelados aos PPP (pobres, pretos e prostitutas) que, historicamente, habitam nossas cadeias”.

No artigo quatro são os “pês” reconhecidos: pobres, pretos, prostitutas e políticos. A esses temos que agregar dois mais: pardos e policiais. No total, agora as cadeias contam com 6 pês.

A rigor não é novidade a condenação (esporádica) de gente graúda ou famosa no Brasil: Roger Abdelmassih, Eliana Tranchesi, Suzane von Richthofen, Nicolau dos Santos, Edemar Ferreira, Guilherme de Pádua, Harah Jorje Farah, Cacciola, Pimenta Neves etc. Mas 25 de uma só vez nunca tinha acontecido.

O tempo dirá se essas condenações dos poderosos foram passageiras ou expressão de uma nova tendência criminal, que estou chamando (no novo livro que escrevi: Populismo penal midiático, no prelo) de disruptiva. Ela veio para ficar ou não?

O populismo penal conservador clássico se volta contra pessoas estereotipadas e seus semelhantes. Ambientado em terrenos de prosperidade do capitalismo de acumulação primitiva (K. Marx) - que resultou agravado desde os anos 90 pelo neoliberalismo e neoconservadorismo -, ostenta fortes componentes emocionais e irracionais (vingativos) ao postular, de forma extremista, radical e fundamentalista, para além de mais vigilância e mais controle da sociedade, o máximo rigor penal (das leis, das práticas institucionais e da execução penal), contra alguns criminosos (violentos e/ou estereotipados, incluindo-se os excluídos ou excedentes), da forma mais rápida, econômica, eficiente e informal possível, como única (ou tendencialmente única) “solução” para o problema da criminalidade (e da insegurança).

O estereotipado, desde o final dos anos 80, passou a cumprir o mesmo papel (de inimigo) que a ameaça ideológica representou para a política de segurança nacional (nos anos 60, 70 e até meados de 80). O populismo penal não tem nada a ver com as utopias do comunismo (bem-estar do proletariado) nem do fascismo ou nazismo (superioridade das raças puras) (Todorov: 2012, p. 156). O bem que ele promete (messianicamente) é outro: é o bem-estar da população que seria alcançado por meio da punição severa, que é alcançada por meio do exercício discriminatório do poder (ou do biopoder, diria Foucault).

Populismo penal disruptivo. Paralelamente ao populismo penal conservador clássico existe também o populismo penal conservador disruptivo, que é assim chamado porque se volta contra os iguais (ou considerados mais ou menos iguais, gente das camadas sociais mais elevadas), ou seja, contra os suspeitos das classes sociais dominantes ou superiores, contra os poderosos, tratando-os, no entanto, também como desiguais (inimigos). O escopo de punir os poderosos lembra as teses progressistas da criminologia crítica, dos anos 70 (Taylor, Walton e Young, autores do clássico Nova Criminologia, Baratta, Lola etc.), mas não se pode vislumbrar nada de progressista no populismo penal, que é estruturalmente conservador.

A bandeira do populismo penal disruptivo é a universalização (ou democratização) da persecução penal, ou seja, todos devem ser perseguidos criminalmente (não somente os marginalizados). Ator desse movimento é o legislador disruptivo que, fundado no princípio da igualdade, tende a aprovar leis com os mesmos rigores punitivos tradicionalmente reservados para as classes de baixo (underclass) (I Saborit: 2011, p. 85). Também essa modernização do direito penal, que retrata a expansão extensiva do direito penal, vem acompanhada de mais punitivismo. Caso ganhe força e sistematicidade o populismo penal disruptivo tem suficiente energia para universalizar para todos a incidência do poder punitivo estatal, gerando o encarceramento não só dos tradicionais 5 pês (pobres, pardos, pretos, prostitutas e polícias), senão também dos políticos (que arrastam com eles alguns comparsas orbitais como banqueiros, bicheiros, construtores etc.).

*LFG – Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil e coeditor do atualidadesdodireito.com.br. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Siga-me: www.professorlfg.com.br.